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Órgão federal trava condomínio de luxo em área pública de Boipeba (BA)

A SPU (Secretaria de Patrimônio da União) afirma que a instalação de um condomínio de alto padrão na Ilha de Boipeba, um dos paraísos no litoral baiano, é “incompatível com a legislação” por ocupar uma área pública federal.

A licença estadual para instalação do empreendimento turístico e imobiliário na praia de Ponta dos Castelhanos foi contestada em nota técnica da SPU. Um despacho contrário à obra foi assinado pela secretária do Patrimônio da União substituta Carolina Gabas Stuchi, no dia 19 de dezembro. A informação do despacho foi divulgada primeiramente pelo site O Eco.

Os atuais ocupantes não se enquadram no direito de preferência ao aforamento. O empreendimento licenciado pelo Inema [órgão estadual] é incompatível com a legislação patrimonial.
SPU, em nota técnica.

Com a decisão, a SPU segue o entendimento de outros órgãos da União e entidades locais que apontaram que a fazenda está reservada a grupos tradicionais que habitam a ilha há décadas. Além disso, há questões fundiárias e ecológicas que também travam o negócio.

Por ser uma ilha, a posse da área é particular, mas as terras são de propriedade da União; por isso, qualquer obra deve ter a aprovação da SPU.

O MPF (Ministério Público Federal) na Bahia se posicionou contra o empreendimento, que prevê ocupar 20% da ilha, e pediu que a inscrição dá área fosse anulada pela SPU —o que não foi aceito.

José Roberto Marinho e Armínio Fraga

A empresa dona do projeto é a Mangaba Cultivo de Coco Ltda., uma sociedade de empresários ricos —alguns bem conhecidos, como o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o vice-presidente do Grupo Globo, José Roberto Marinho.

O grupo adquiriu em 2008 a Fazenda Ponta dos Castelhanos, que faz parte da APA (Área de Proteção Ambiental) das Ilhas de Tinharé-Boipeba, criada em 1992.

A ideia é fazer do local um condomínio rural, com instalações reservadas e de altíssimo luxo. Não há dados oficiais, mas o investimento no local pode chegar a R$ 1 bilhão, segundo apuração da revista Piauí em novembro de 2023.

O empreendimento terá baixa ocupação e privacidade, harmonizando-se com a paisagem e o patrimônio natural insular, além de promover uma inserção regional positiva, gerando emprego e renda na comunidade de São Sebastião.
Mangaba Cultivo de Coco, em relatório de impacto ambiental

Um dos pontos do relatório aponta que a escolha da área ocorreu após a prospecção de diversas outras pelo país e destaca as “diversas possibilidades de passeios náuticos contemplativos”.

[A área tem] rápido acesso a praias de variadas formas e tamanhos, calmas e batidas, todas ainda preservadas e de muita beleza natural, o que dificilmente é encontrado em um só lugar.
Mangaba.

A fazenda fica no sul da ilha, entre o mar e a Ponta dos Castelhanos.

Imagem: Arte UOL.

Decisão não é definitiva.

Apesar das comunidades e ativistas comemorarem a decisão da SPU, eles ainda veem com preocupação a questão fundiária.

Não foi aceito pela SPU o pedido do MPF para cancelar “qualquer inscrição de ocupação ou ato similar em favor da empresa Mangaba Cultivo de Coco, ou quaisquer de seus sócios ou sucessores”. O órgão federal alegou um lapso temporal dos atos.

A decisão da SPU é um respiro, porque estava tudo certo para o empreendimento. Eles não liberaram o projeto como está hoje, mas [a empresa] pode criar outro empreendimento, com outra característica, e ser aprovado. O perigo sempre existirá se as terras das comunidades não estiverem já delimitadas.
Sirlene Assis, ex-ouvidora da Defensoria Pública da Bahia e presidente do Grupo Tortura Nunca Mais.

 

Outro lado.

A Mangaba Cultivo de Coco reitera que sempre atuou de acordo com as leis vigentes no País e não seria diferente diante das decisões da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), cujo processo administrativo está em curso.

Seguiremos abertos ao diálogo com representantes legítimos das comunidades e com os órgãos públicos competentes, com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento sustentável e a conservação ambiental da região.
Empresa Mangaba, em nota ao UOL.

Atuação da comunidade e do MPF.

Em março de 2023, o órgão estadual Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos) emitiu uma licença de instalação para empreendimento, para ocupar 1.651 hectares (ou 16,5 milhões m²).

A aprovação gerou revolta dos moradores locais, que se mobilizaram. O MPF cobrou a revogação da licença.

Segundo a SPU, o licenciamento aprovado pelo Inema se baseou apenas em uma informação antiga prestada pela SPU na Bahia, que apontava como único empecilho a indefinição do território tradicional.

De acordo com a SPU, o órgão estadual deixou de considerar as restrições de parcelamento do imóvel impostas pelo Decreto-Lei nº 2.398, de 1987, que dispõe sobre a ocupação relativa a imóveis de propriedade da União.

“Estragos para a ilha”

Na Ilha de Boipeba vivem quatro comunidades tradicionais:

  • Cova da Onça
  • Monte Alegre
  • Moreré
  • Boipeba

Uma obra desse porte traz muitos estragos para a ilha, principalmente para uma comunidade pesqueira Cova da Onça, que vai ficar espremida entre o empreendimento cova da onça e o mar. Ela não terá a possibilidade de avanço, de crescimento e de fazer uso dos territórios tradicionais como forma de vida.
Raimundo Siri, presidente da Associação de Pescadores e Pescadoras de Cova da Onça.

Paisagem quase intocada na Cova da Onça, em Boipeba Imagem: Arquivo pessoal

Segundo o MPF, o projeto viola as diretrizes do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Tinharé-Boipeba e atinge ecossistemas costeiros de extrema vulnerabilidade, como manguezais e faixas de praia.

Além disso, o órgão prevê um consumo de água desproporcional na ilha; desmatamento; cercamento de terras e caminhos tradicionais, além da destruição de roças e desconfiguração do modo de vida tradicional de centenas de famílias de pescadores, catadores e marisqueiras das comunidades.

Diante dos impactos, Raimundo Siri diz que, desde o anúncio do megacondomínio, a comunidade da ilha se uniu para buscar ajuda das autoridades em busca de reconhecimento e legalização do território a fim de evitar a mudança brusca do habitat.

Haverá um impacto terrível em toda ilha. Vai impactar o modo de vida das pessoas, impactar na cultura, na questão de identidade. Esse empreendimento retira de forma violenta o território tradicional das pessoas para continuarem a viver dignamente, produzindo alimento saudável.
Raimundo Siri.

Vila tradicional em Boipeba (BA) Imagem: Arquivo pessoal

O projeto prevê:

  • 69 lotes para residências fixas e de veraneio
  • 32 casas em área no Morro das Mangabas
  • Duas pousadas com 3.500 m²
  • Parque de lazer
  • Píer e infraestrutura náutica
  • Aeródromo
  • Campo de golfe
Mapa do projeto do condomínio rural em Boipeba Imagem: Reprodução

Fonte: UOL

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