Ao adentrar a convivência em um condomínio edilício, entende-se que o indivíduo tem a ciência de que ali se dá a existência de exemplo do que seria uma sociedade em tamanho gigantescamente menor, em que a vida se desenvolve em suas mais primordiais nuances, entre elas a convivência e o respeito ao próximo e seus hábitos.
Nesse liame, para que haja a convivência plena e harmônica, assim como na sociedade macro, ou ipsis litteris, são criadas regras que determinam limites às atitudes e hábitos dos indivíduos para que a coletividade possa proceder e a humanidade caminhe em sua convivência.
De tal sorte, o respeito às regras é ponto fulcral dessa convivência em coletividade, mesmo assim, há indivíduos que transgridem tais regulamentos, seja na sociedade ipsis litteris seja na microssociedade de um condomínio edilício.
Por ser um núcleo bem menor, qualquer transgressão à convivência social em um condomínio traz mais impactos e mais dissabores à vida daquela comunidade, afetando de forma muitas vezes contundente a harmonia entre os conviventes.
Assim, tais coletivos sociais precisam também criar mecanismos para limitar tais atitudes antissociais e dirimir as contendas que porventura surjam dessa convivência. Entre esses mecanismos, está a exclusão daquele que costumeiramente transgride as normas de convivência via deliberação em assembleia, além de demonstrar a pouca ou nenhuma capacidade de conviver em grupo.
Logo, as decisões de exclusão do condômino antissocial são consagradas pela doutrina e aplicadas na realidade pela justiça, tentando proteger os habitantes ordeiros e a convivência pacífica.
Dessa forma, não é raro encontrar, na jurisprudência pátria, casos em que o instituto foi claramente defendido e devidamente aplicado, estabelecendo-se um entendimento comum entre as cortes de que, desde que observadas, primeiro, a existência de ações graves que coloquem em risco a pacífica convivência por parte do condômino; segundo, a tentativa de fazer cessar tais ações – por parte do condomínio – a partir de medidas como advertências e multa; e, terceiro, claro, a possibilidade oferta de contraditório ao condômino desfavorecido pela exclusão.
Tal pensamento é efetivado em jurisprudência pelo doutíssimo desembargador Manoel dos Reis Morais, na Apelação Cível nº 5010675-66.2016.8.13.0024-MG, em que o apelante, o condomínio edilício, recorre de decisão de ação ordinária cumulada com pedido de tutela antecipada para a exclusão do convívio condominial que favoreceu o condômino supostamente antissocial, o apelado.
O entendimento do magistrado é que o apelante não procedeu com as atividades necessárias para que o apelado pudesse ser excluído, como observa o desembargador em seu voto, abaixo:
A controvérsia diz respeito a pretensão de exclusão do Réu/morador antissocial do condomínio Autor (Apelante).
(…)
No caso, as ocorrências policiais, perícias de danos nos veículos de condôminos e as atas das Assembleias Condominiais dão conta do comportamento inadequado do Réu (Apelado) que, por vezes, caracteriza inclusive ilícito penal (ordens n. 4-10, 121-127, 149, 155-157 e 169).
E para tais situações são previstas sanções aos proprietários ou condôminos infratores na Convenção Condominial e no Código Civil.
Conforme consta da sentença “o art. 24 da Convenção de Condomínio (ID 1716939826, fl. 10) estabelece para os fatos descritos nos autos, tão somente penalidade administrativa, não havendo previsão de exclusão”.
No mesmo sentido dispõe o CC:
“Art. 1337 – O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.”
Veja-se que não há previsão legal de expulsão do condômino/morador antissocial, mas referida penalidade é admitida pela jurisprudência, por ser medida extremamente gravosa, apenas em casos de comportamento antissocial reiterado e quando as demais penalidades não tenham surtido efeito.
No caso, apesar de lídimo o comportamento antissocial do Apelado, o qual inclusive demanda acompanhamento psiquiátrico, conforme atestação pericial, plenamente possível a aplicação de sanção administrativa. Porém, mostra-se exagerada a penalidade de exclusão no momento, mesmo porque o Condomínio ainda não aplicou outras sanções (multa e respectiva majoração) até ulterior deliberação condominial.
Aliás, apura-se que em assembleia os condôminos deliberaram unicamente para a contratação de advogado “para providências judiciais cabíveis para solucionar os problemas de relacionamento causados pelo Sr. Luiz Gustavo” (ordens n. 4-10).
Apenas o registro do comportamento inadequado e da insatisfação dos condôminos não é suficiente para encampar uma sanção de exclusão do prédio e proibição de morar no imóvel no qual a mãe do Apelado é proprietária.
Nesse contexto, não tendo o Condomínio Apelante observado a “gradação normativa”, a saber: notificação, advertência e multas por infrações às normas de convivência do condomínio, impossível estatuir “de pronto” na exclusão do condômino antissocial, ainda que seja “mero morador” e não proprietário.
Nota-se imperativa a necessidade de haver, por parte do condomínio, medidas anteriores não apenas que atestem a conduta antissocial do condômino, mas também as tentativas do coletivo de moradores para que o morador modifique suas condutas, seja advertido e punido por elas previamente.
Mantendo-se tal conduta inadequada de forma grave é que se pode passar à tentativa de exclusão de convivência, a qual deve ser deliberada por assembleia de moradores e, claro, deve dar a devida oportunidade de controvérsia para que o acusado possa defender-se.
Com tal visão, proliferam-se diversas sentenças que dão guarida a condôminos que claramente tiveram ações antissociais reiteradas e ostensivas, mas que acabam retornando à convivência condominial pela falta de observância dos requisitos consagrados pela jurisprudência e pela doutrina, afinal, tal instituto, por ser medida extrema, precisa de aplicação aprofundadamente cuidadosa, seguindo todos os ritos necessários para que sejam evitadas injustiças.
Neste entendimento também segue o meritíssimo desembargador Ibanez Monteiro na AC nº 2017.012329-0-TJ/RN:
Ocorre que a gravidade da punição do condômino antissocial, sem nenhuma garantia de defesa, acaba por onerar consideravelmente o suposto infrator, o qual fica impossibilitado de demonstrar, por qualquer motivo, que seu comportamento não era antijurídico nem afetou a harmonia, a qualidade de vida e o bem-estar geral, sob pena de restringir o seu próprio direito de propriedade. 5. Recurso especial a que se nega provimento.” ( REsp 1365279/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/08/2015, DJe 29/09/2015) (grifo acrescido).
Entendendo pela inviabilidade da expulsão de condômino não precedida da aplicação de sanção pecuniária, in verbis:
“CONDOMÍNIO. DIREITO DE VIZINHANÇA. AÇÃO INIBITÓRIA. REQUERIMENTO DE DECRETAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL PELA OCORRÊNCIA DE INTIMAÇÃO IRREGULAR. INTERVENÇÃO POSTERIOR NOS AUTOS, TORNANDO INEQUÍVOCO O CONHECIMENTO DO PROCESSADO, SUPRINDO A FALTA DA INTIMAÇÃO. PRECLUSÃO VERIFICADA. JULGAMENTO ANTECIPADO QUE NÃO IMPLICOU CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA PROCESSUAL DA CONTESTAÇÃO E DA RECONVENÇÃO. REVELIA CARACTERIZADA. PEDIDO DE PROIBIÇÃO DE FREQUENTAR AS DEPENDÊNCIAS DO CONDOMÍNIO SOB A ASSERTIVA DA OCORRÊNCIA DE PERTURBAÇÃO AO SOSSEGO EM RAZÃO DE COMPORTAMENTO INADEQUADO. SANÇÃO DESPROPORCIONAL. IMPROCEDÊNCIA RECONHECIDA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (…) 3. A determinação de expulsão do condômino, de modo a impedi-lo de fazer uso da respectiva unidade condominial, por gerar consequências sérias, deve ser adotada com extremo cuidado. No caso em exame, sequer houve aplicação anterior de multa ou mesmo deliberação em assembleia, de modo que não se justifica a pretendida adoção de medida proibitiva. (TJSP – Apelação 0002724-66.2013.8.26.0116, Rel. Des. Antonio Rigolin, 31ª Câmara de Direito Privado, julgado em 09/08/2016).
“Condomínio. Ação de exclusão de condômino sob alegação de exploração de pensão na unidade condominial gerando prejuízos ao condomínio e aos demais condôminos. Ausência de previsão legal. Possibilidade de aplicação de multa (art. 1.337 do CC), precedida de notificação. Hipótese não verificada nos autos. Improcedência mantida. Recurso não provido.”(TJSP – Apelação 0202117-30.2007.8.26.0100, Rel. Des. Cesar Lacerda, 28ª Câmara de Direito Privado, julgado em 15/06/2018).
Fixadas essas premissas, verifica-se, compulsando os autos, que a parte autora sequer juntou cópia da deliberação em assembleia que teria, em tese, autorizado o ajuizamento da presente ação de exclusão, a qual, segundo o estatuto de direito privado, não pode ser movida por decisão isolada do síndico. Também não se comprovou a imposição anterior de multa ao condômino infrator, muito embora conste tal previsão na convenção do condomínio (art. 31, a), consoante se infere às fls. 23-30.
Desse modo, a não observância das formalidades legais e garantias constitucionais que constituem pressupostos para a adoção de medida judicial destinada a excluir condômino por comportamento antissocial obsta a procedência do pedido, independentemente de qualquer questionamento acerca da preponderância do direito à moradia do demandado sobre o convívio social dos demais condôminos.
Diante do exposto, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença em todos os seus termos.
É como voto.
(https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rn/675705044/inteiro-teor-675705053 JusBrasil.
Portanto, é cristalino que tanto a doutrina quanto a jurisprudência não apenas aceitam este instituto extremo, como o aplicam de forma razoavelmente costumeira, contudo não aceitam o mínimo desvio dos ritos processuais extrajudiciais consagrados para a esta gravosa sanção.
Isto posto, resta então, aos condomínios, advogados, administradores e condôminos a observação desse passo a passo para que possam consagrar e proteger a paz dentro de seus muros.
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de Direito Civil (em negrito). 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Página 1105
TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil, 5. ed., São Paulo: GEN, 2015, p.966.
Autora – Mariana Férrer, assessora jurídica da BBADV em Fortaleza/CE
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