Um edifício de mais de 100 metros chama atenção pela arquitetura peculiar próximo ao Vale do Anhangabaú, no centro histórico de São Paulo. Com a construção iniciada em 1924, o Edifício Martinelli foi o primeiro arranha-céu da capital paulista e hoje guarda uma história repleta de mistérios. Poltergeists, elevadores que andam sozinhos, uma loira misteriosa que assombra os funcionários, e fantasmas de crimes não solucionados voltando para pedir Justiça são alguns dos relatos que cercam o projeto ousado concebido pelo italiano Giuseppe Martinelli. Em uma cidade onde os edifícios dificilmente ultrapassavam os cinco andares, Martinelli ficou obcecado com a ideia de construir um prédio que atingisse os 100 metros de altura. Foram mais de 600 operários atuando em um projeto que até causou polêmica com a Prefeitura na época. As histórias de terror, no entanto, começaram a ser contadas só anos depois, quando o prédio perdeu o glamour da elite paulistana que o rodeava, virou um cortiço onde a ilegalidade reinava e, finalmente, foi restaurado pela Prefeitura de São Paulo. Na época, em meados dos anos 1970, ossadas foram encontradas no poço do elevador, reforçando ainda mais a mística que o englobava. “É interessante essa história porque nasce como uma obsessão do Martinelli. Há uma atmosfera sobrenatural que transita um pouco nessa ideia de apego ao grandioso e, depois, aquilo tornar-se um lugar de consumo e prostituição. Cria-se uma ambivalência que é muito propícia para experimentar diferentes sensações lá dentro. Quando você sabe do passado, de mortes não solucionadas que ocorreram ali, há uma atmosfera para as lendas”, diz Thiago de Souza, 44, pesquisador e idealizador do projeto “O que te Assombra”, que percorre lugares mal-assombrados de São Paulo. No Vale do Anhangá Mas antes mesmo do Martinelli virar um dos icônicos edifícios de São Paulo, o Vale do Anhangabaú já tinha a sua própria história. Território tupi-guarani antes da colonização, ali era onde vivia Anhangá — um espírito protetor da floresta que pode assumir diversas formas. Para os povos originários, ele não era necessariamente maligno, mas para o processo de evangelização, a interpretação dessa mitologia foi outra. “Quando os padres jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta chegaram, eles tentaram pegar personagens da mitologia local para ser mais efetivo no processo de evangelização. Eles elegeram Tupã como uma figura que se encaixaria no que seria o Deus todo-poderoso, e o seu antagonista — embora seja imprópria essa adaptação — era Anhangá. Então, Anhangá ganha esse signo maléfico de uma forma muito particular em São Paulo, que não tem em outros territórios guaranis”, explica Thiago. Anhangá era descrito como um ser que podia causar ilusões nas pessoas, fazendo com que elas fugissem da realidade e cometessem atrocidades. “Com isso, podemos criar hipóteses do porquê tanta coisa acontece ali”, opina Thiago. Quando o edifício é inaugurado, em 1929, pouco se falava sobre Anhangá, mas ele retorna a narrativa quando outros prédios do Vale começam a ser classificados como assombrados, como é o caso dos Correios ou do Teatro Municipal. De luxuoso hotel ao declínio Até então, o Martinelli era um ponto de encontro da elite paulista. Ele abrigou o luxuoso hotel São Bento, o Cine Rosário e até uma academia de dança. O declínio começa após o próprio Martinelli perder a fortuna com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York em 1929. O prédio é vendido ao governo da Itália e, em 1943, é confiscado pelo governo brasileiro com a Segunda Guerra Mundial. Vazio, o prédio começa a ser ocupado irregularmente em 1950. E são histórias dessa época que deram base para as lendas urbanas contadas até hoje. “A mística do Martinelli começa depois que ele é ocupado. É uma ocupação com uma atmosfera violenta. Quando o prédio é desapropriado nos anos 1970, é justamente nessa época que começa a surgir os relatos”, explica Thiago. Edison Cabral, que trabalha no Martinelli há mais de 20 anos e hoje tornou-se pesquisador do edifício, conta que nessa época o prédio virou um cortiço e chegou a abrigar mais de 3 mil pessoas irregularmente. “Havia muitas brigas, discussões. Várias coisas aconteceram nesse prédio, então começaram a tirar a conclusão que ele era assombrado por isso.” Um dos assassinatos que rondam o prédio foi o do garoto Davilson Gelisek, 14, cujo corpo foi encontrado no Martinelli em 1947 com indícios de ter sofrido uma queda de grande altura. Anos mais tarde, quem perdeu a vida foi a jovem Neide, em 1965. Pouco se sabe sobra sua trajetória e tampouco o que teria causado sua morte. Em 1972, antes da restauração da Prefeitura, a população via mais uma morte no Martinelli, a da adolescente Rosa, que teria caído do prédio após passar a noite com um homem – cuja identidade nunca foi descoberta. Quando o edifício é retomado, ao final da década de 1970, entulhos de lixos diversos e ossadas humanas foram encontradas no fosso do elevador. As condições do prédio e seus crimes abriram portas para um ambiente propício às assombrações. “Essa questão da solução da morte aparece muito. É como se o fantasma precisasse aparecer para ser lembrado e ver se alguém pode resolver o crime dele. Antes, o fantasma não aparece tanto nas histórias porque tem toda a bagunça junto naquele cenário. Depois que encontraram as ossadas é que essas aparições começam a ser contadas. Elas estão ligadas muito à memória do lugar e não ao momento. É um choque da rotina com o passado”, opina Thiago. Os barulhos estranhos e as aparições começam a ganhar forma no cotidiano do edifício. Uma das principais que permeia o Martinelli é a presença da “Loira”, cuja identidade ninguém sabe ao certo dizer qual é. A história, segundo Cabral, rendeu algumas situações inusitadas no prédio. Havia funcionários que não queriam ficar até muito tarde porque tinham medo dela. Uma vez, um funcionário da limpeza estava trabalhando e de fato apareceu uma loira no local. Ele não pensou duas vezes e meteu a vassourada nela. Só que, no final, ela era apenas uma